Friday, March 23, 2007



Parece-me evidente que o terceiro verso dos yoga sutra é uma defenição de citta (costuma-se dizer que é outra vez uma defenição de yoga), que não precisa de mais explicações, porque é uma palavra incontroversa e de uso frequente, sobretudo vulgarizado no vocabulário budista contemporâneo deste texto (qualquer que seja o século compreendido no vasto periodo de atribuição a «Patanjali»), da mesma forma que o quarto verso define o que é vrtti, que tal como nirodha precisa de divisões e subdivisões para aclarar , e simplificar a terminologia (e não obscurecê-la como o fazem excessivamente os «gurus»).



Mas também os vrittis são interpretados perversamente numa espécie de maniqueismo de quem não sabe ler literalmente. Por exemplo klishta-aklishta é uma e uma só palavra, tal como acontece com muitas outras palavras de junções de opostos ao longo do texto de Patanjali.

Dizer que os vrtti são klishta ou/e aklishta é não perceber que todos os vrtti trazem em si esta temível e maravilhosa propriedade de dar prazer e sofrimento, de mostrar o que é claro e enganarsimultaneamente. É uma caracteristica das linguas indoeuropeias este uso de contrários combinados numa só palavra.

O pensamento de Heraclito, que é o pensamento dos fluxos (dos vrtti) e que provavelmente até nem é desconhecido do autor dos Sutra é pródigo na multiplicação de palavras unindo contrários - o que flui, flui paradoxalmente, misturando o que a lógica, sobretudo aristotélica, separa.

E julgamos que a influência tardia da lógica aristotélica (sobretudo na «sistematização» dos darshanas) no pensamento indiano deverá ter desvirtuado as interpretações dos Yoga Sutra, dissociando o que neles é expressamente associado.

yogash citta-vrtti-nirodah





O termo yoga define-se suficientemente a si próprio - este segundo versículo dos yoga sutra, diz, através da definição òbvia de yoga (soma, união, etc.) o que é que citta-vrtti-nirodah quer dizer, isto é, um termo composto por três palavras, que estão somadas, ligadas, juntas, em interacção, e não uma palavra «nirodha» que domestica as outras.

É o que a gramática nos indica, através de uma única declinação no nominativo desse termo «uno e trino». Como é que uma noção «aumentativa» se faz passar por algo apenas «redutor»? É estranho! Yoga é assim a interacção entre três termos suficientemente ricos que o autor descriminará seguidamente um a um, como se tratassem dos três gunas do samkhya.

O horror aos aspectos supostamente nicivos dos vrtti fez com que estes, numa interpretação superficial fossem encarados como nocivos. O texto desmente constantemente esta hipótese. Os vrtti, por mais geradores de ilusão que sejam são também instrumentos e suporte de uma prática cuja direcção é somar e unir com vista ao samadhi e não reduzir e separar.







É certo que o primeiro versiculo (atha yoga anushasanam) também é explicito ao declarar aberta a sessão e exigir uma perpétua concentração no «agora» e na prática, o que


Yoga é a soma-ligação destas «partes», através da extrema e sátvica consciência de citta, através do rajásico e agitado suporte oferecido ao seguirmos (e aderirmos aos) fluxos ou vrtti, através da tamásica capacidade de reter, aprisionar e imobilizar de nirodha.

os dadarshanas



Há seis pontos de vista diferentes (darshanas) no pensamento «ortodoxo» indiano - a divisão e classificação, como todas, é tardia.


Quando surgiram os seus «mestres», populavam outros que não eram «excluídos» - materialistas, budistas, jinistas e inumeros pensadores cujo rasto desapareceu, em experimental guerrilha de ideias, num why not algo dadaísta.

Grande parte do pensamento indiano nasceu como polémica e refutação das práticas védicas, com os seus hinos mágicos ou mitológicos, com os seus rituais violentos, com o seu culto anicónico, senão mesmo «iconoclasta».


Os Upanishades mais antigos são diversos, algo amorais, e em boa parte anti-ritualistas, isto é, anti-védicos - os seus temas traduzem uma vigorosa contestação social, uma evasão das «cidades» para a floresta iniciada pelos «aranyaka».


As questões que formulam tornaram possiveis as especulações e as polémicas que deram origem a «religiões», seitas e darshanas. A geometria e o efeito ricochete da lógica das polémicas e das refutações é muito semelhante à que ocorreu em altura idêntica na grécia e na china.
As «possibilidades» do pensamento esgotam-se na ocupação dos lugares por elas oferecidos - os séculos encarregam-se de os tornar menos fluídos, mais legitimados e estanques. Falo disto como um prelúdio à minha «duvidosa» interpretação dos Yoga Sutras, provavelmente uma compilação de diversos tratados de «yoga».


Gosto da palavra yoga como ideia de «soma», de «ligação», de «ajuntamento», de pôr as coisas em interacção. A tradução da defenição primeira de yoga nos yoga sutra tem enfatizado precisamente o contrário ao insistir em traduções duvidosas do termo nirodha, chegando ao ponto considerar o yoga essencialmente como «supressão dos estados mentais». Será isto que diz o texto?