Saturday, May 31, 2008

vijnanabhairava (lado b, primeira faixa)


Também tentei a partir da versão «aumentada» de Odier uma tradução do vijnanabhairava tantra - se o «acrescento» é legitimo ou não não o irei discutir (inclino-me para que seja algo mais tardio) - traduzo aqui apenas um pedaço dos textos.




Bhaïrava et Bhaïravi, amorosamente unidos no mesmo conhecimento, sairam do indiferenciado para que o seu diálogo ilumine os seres.


1. Bhaïravi, a Shakti de Bhaïrava diz:
Ò Senhor, tu que manifestas o universo e que desfrutas dessa manifestação, tu não és mais que este Si. Sim, recebi o ensinamento do Trika que é o suprassumo de todos livros sagrados, mas no entanto mantêm-se algumas dúvidas.
2-4. Senhor, do ponto de vista da realidade absoluta, qual é a naturesa essencial de Bhairava? Será que ela habita na energia associada aos fonemas? Na realização da natureza essencial ligada a Bhairava? Num mantra particular? Nas três Shaktis? Na presença do vivo mantra de cada palavra? No poder do mantra presente em cada particula do universo? Será que reside em cada Chakra? Ou é somente a Shakti?
5-6. O que é composto vem da energia imanente e transcendente ou provém apenas da energia imanente? Se o que é composto só surge da energia transcendente, a própria transcendencia não terá consequentemente objecto algum. A transcendencia não pode ser diferenciada em sons e em particulas, uma vez que a sua natureza indivisa não lhe premite encontrar-se no múltiplo.
7-10. Ò Senhor, que a tua graça suprima as minhas dúvidas.
Perfeito! Perfeito! As tuas questões, ò Adorada, formam a quintessencia dos Tantra. Eu vou expor-te um saber secreto. Tudo o que é composto a partir da esfera de Bhairava deve ser considerado uma fantasmagoria, uma ilusão mágica, uma cidade fantasma suspensa no céu. Uma tal descrição serve apenas para empurrar aqueles que andam à cata da ilusão e das actividades mundanas voltando-os para a contemplação. Tais ensinamentos estão destinados aqueles que se interessam pelos ritos e práticas exteriores e que estão submetidos ao pensamento dualisante.
11-13. Do ponto de vista absoluto, Bhairava não está associado nem às letras, nem aos fonemas, nem às três Shaktis, nem à penetração dos chakras, nem a outras crenças, e a Shakti não compõe a sua essência. Todos estes conceitos expostos nas escrituras são feitos para aqueles cujo espirito está demasiado imaturo para agarrar a realidade suprema. Eles não passam de aperitivos que se destinam a incitar os aspirantes a um modus vivendi correcto e a uma pratica espiritual de modo a que um dia eles possam tomar consciencia que a natureza derradeira de Bhairavi é inseparada do seu Si.
14-17. O extase mistico não é subito do pensamento dualisante, mas está totalmente liberto das noções de lugar, de espaço e de tempo. Esta verdade não é tangível pela experiência. Só é alcançável quando libertos totalmente da dualidade, do ego, e quando permanecemos firmamente na plenitude da consciência do Si. Este estado de Bhairava é repleto da pura felicidade na não-diferença do adepto tantrico do universo – ele é a Shakti. Na realidade da sua natureza assim reconhecida e contendo o inteiro universo toca-se a mais alta esfera. Quem pode assim ser adorado? Quem pode ser agraciado por essa adoração? Só essa condição de Bhairava reconhecida como suprema é a grande Deusa.
18-19. Como não há diferença entre a Shakti e o que a possui, nem entre substancia e objecto, a Shakti é o Si. A energia das chamas é o fogo. Toda a distinção é um mero preludio ao caminho do autentico conhecimento.
20-21. Aquele que acede à Shakti apanha a indistinção de Shiva e Shakti e transpõe a porta de acesso ao divino. Tal como se conhece o espaço graças à luz dos raios de sol, assim se reconhece Shiva graças à energia de Shakti que é o amago do Si.
22-23. Ò Senhor supremo! Tu que levas um tridente e um colar de cranios, como é que alcançamos a plenitude absoluta de Shakti que ultrapassa toda a noção e toda a descrição, absorvendo o tempo e o espaço? Como se passa a esta não dualidade com o mundo? Em que sentido se pode dizer que a Suprema Shakti é a secreta porta do estado de Bhairava? És capaz de responder em linguagem acessivel a estas questões absolutas?



24. A suprema Shakti manifesta-se quando o sopro inspirado e o sopro expirado se extinguem noas duas zonas situadas no alto e no baixo. Assim, entre as duas respirações experimenta o espaço ilimitado.
25. Através do movimento e da suspensão da respiração, entre a inspiração e a expiração, quando esta se imobiliza nas duas extremidades, coração interno e coração externo, dois espaços vazios te serão revelados: Bhairava e Bhairavi.
26. Estando o corpo relaxado no momento da expiração e da inspiração, com o pensamento dualizante dissolvendo-se, atenta ao coração, centro de energia onde flui a absoluta essencia do estado bhairaviano.
27. Quando inspiraste e expiraste totalmente o movimento cessa por si só: nessa pausa universal e socego a noção a noção do «mim» desaparece revelando-se a Shakti.
28. Considera a Shakti como uma viva luminosidade, progressivamente mais subtil, levada de centro a centro, de baixo para cima, através do caule do Lótus. Quando no centro superior se apazigua dá-se o despertar de Bhairava.

29. O coração abre-se e, de centro em centro, a Kundalini lança-se como um raio. Então Bhairava mostra o seu esplendor.
30. Medita sobre os doze centros energia, reunindo as doze letras, e liberta-te da materialidade para alcançar a suprema suprema subtilidade de Shiva.
31. Concentra a atenção entre as duas sobrancelhas, conserva o teu espirito livre de todo o pensamento dualizante, deixa que a tua forma se encha com a essencioa da respiração até ao topo da cabeça e aí banha-te numa luminosa espacialidade.
32. Imagina os cinco circulos coloridos de uma pena de pavão como sendo os cinco sentidos disseminados no espaço ilimitado e habita a espacialidade do teu próprio coração.
33. Vazio, muro, qualquer que seja o assunto da contemplação, ele é a matriz da espacialidade do teu espirito.
34. Fecha os olhos, vê o espaço inteiro como se fosse absorvido pela tua cabeça, dirige o olhar para o interior e aí vê a espacialidade da tua autentica natureza.
35. O canal central é a Deusa, tal qual um caule de lotus, por dentro vermelho, por fora azul. Ele atravessa o teu corpo. Meditanto sobre a sua interna vacuidade acederás à espacialidade divina.
36. Tapa as sete aberturas da cabeça com tuas mãos e funde-te no bindu, espaço sem fim, entre as sobrancelhas.

SPANDAKARIKA


Esta versão baseia-se sobretudo na «tradução» de Odier. Não tem as tentações teístas das traduções (por exemplo) de Lilian Silburn e parece-me clara quanto ao essencial... embora eu tenha algumas reticências quanto ao «personagem» Odier... mas também tenho quanto a mim mesmo...



1. A venerada Shankari (Shakti), fonte de energia, abre os olhos e o universo reabsorve-se em pura consciencia; ela fecha-os e o universo torna-se nela manifesto.

2. A vib-ratio (spanda), o efectivo lugar da criação e do retorno (metacatástrofe), é desprovido de qualquer limite uma vez que a sua natureza é destituída de forma.

3. Mesmo dentro da dualidade o tantrika mergulha na fonte não-dual visto que a pura subjectividade permanece sempre submersa na sua própria natureza.

4. Todas as noções relativas ligadas ao ego reencontram a sua calma origem profundamente infiltrada sob os multiplos estratos.

5. Num sentido absoluto, prazer e sofrimento, sujeito e objecto não são em nada distintos do espaço da consciencia profunda.

6/7. Agarrar essa evidencia essencial é vislumbrar a ubiquidade da liberdade absoluta. Deste modo o movimento dos sentidos habita nessa liberdade nuclear e alastra a partir dela.

8. Aquele que encontra essa vib-ratio substancial escapa ao obscurecimento do desejo limitado.

9. Liberto da multiplicidade dos impulsos ligados ao ego faz a experiência do samadhi.

10. Torna-se evidente que a qualidade do tantrika é a liberdade de ser através da qual o desejo reencontra a sua universalidade.

11. Como é possivel um tantrika continuar sujeito à transmigração quando a sua natureza está na origem de tudo o que se vai manifestando?

12. Se o vazio pudesse ser um objecto de contemplação onde estaria a consciencia que o apreenderia?

13. Considera deste modo a contemplação da vacuídade como um artifício de natureza analoga à de uma radical ausência do mundo.

14/15/16. Aquele que age e a acção estão unidos mas quando a acção se dissolve através do abandono dos frutos da acção, a dinamica ligada ao ego esgota-se e o tantrika que se absorve nessa contemplação profunda descobre a vib-ratio liberta das ligaduras do ego. A natureza essencial da acção é então revelada e aquele que interiorizou o movimento do desejo livra-se da dissolução. Ele não deixa de existir uma vez que regressou à origem.

17. O tantrika desperto realiza essa vib-ratio permanente através dos 3 estados.

18. Shiva fica então em união amorosa com Shakti sob a forma do conhecimento e do seu objecto enquanto simultaneamente se manifesta como nua consciencia.

19. Toda a paleta sonora dos diferentes tipos de vib-razões tem a sua origem na vib-ratio universal da consciencia e assim chega a cada ser. Como é que tal vibração pode limitar o tantrika?

20. No entanto tais vibrações são a causa do declinio das criaturas que se limitam – quando a intuição se desconecta da origem as criaturas caíem no turbilhão da transmigração.

21. Aquele que com ardor se inclina para a vib-ratio palpa a sua clara natura no seio da actividade.

22. O vib-ratio é experimentado mesmo em estados extremos – na cólera, na intensa alegria, nas digressões da mente, no elan de sobrevivência.

23/24. Quando o tantrika se oferece como Shiva/Shakti o sol e a lua elevam-se no canal central (sushuma).

25. Nesse instante, o sol e a lua desaparecem no céu - o desperto mantem-se lúcido enquanto a criatura grosseira mergulha na inconsciencia.

26/27. Os mantra, quando carregados do poder da vib-ratio concretizam a sua função através dos sentidos do que despertou. Eles unem-se no espirito do tantrika no qual perspassa a natureza de Shiva/Shakti.

28/29. Todas as coisas emergem da imanencia do tantrika que se reconhece em Shiva-Shakti. Tudo o que desfruta é Shiva-Shakti. Não há nenhuma forma de estar nomeavel que não seja Shiva/Shakti.

30. Continuamente presente à experiência que ele entende como jogo da sua natureza, o tantrika é liberto entranhando-se na vida.

31. Pela intensidade do desejo sem objecto a contemplação emerge no coração do tantrika unido à vib-ratio.

32. Este é o modo de alcançar o nectar supremo, a imortalidade do samadhi que mostra ao tantrika a sua natureza nua.

33/34. O entusiasmo em Shiva/Shakti que manifesta/recolhe o mundo permite ao tantrika sentir-se completo. Durante o sonho o sol e a lua manifestam-se no seu peito e todo o desejo se satisfaz.

35. Mas se não se faz presente/imanente o tantrika será enganado pelas dramaturgias do que se manifesta e conhecerá o estado ilusório do aspirante através da vigilia e do sono.

36/37. Como um objecto que escapa à atenção é mais claramente compreendido quando nos esforçamos para o aprender de vários lados, assim a vib-ratio aparece ao tantrika quando se inclina para a vib-ratio com entusiasmo. Então tudo se põe de acordo com a sua natureza nua.

38. Mesmo num estado de extrema fraqueza tal tantrika alcança a realização. Mesmo faminto encontrará a comida.

39. Tendo como unico apoio o reconhecimento do peito o tantrika é omnisciente e em harmonia com o mundo.

40. Se o o corpo/espirito é devastado pela falta de coragem devida à ignorancia, só a expansão da consciencia fora de qualquer limite dissipará a lassidão cuja origem terá então desaparecido.

41. A revelação do Si surge naquele que nada mais é que o desejo absoluto. Que cada qual faça esta experiência.

42. Simultaneamente a luz, o som, a forma e o sabor vêm entravar aquele que ainda se agarra ao ego.

43. Quando o tantrika penetra todas as coisas com o seu desejo de absoluto, para que servem as palavras? É em si que se desfruta.

44. Quando o tantrika permanece atento, os sentidos disseminam-se na realidade com consciencia e experimentam a permanencia.

45. Aquele que se priva do seu poder através das obscuras forças da actividade limitada torna-se um joguete da energia sonora.

46. Apanhada no campo das energias subtis e das representações mentais a ambrosia dissolve-se e o ser esquece-se da sua liberdade inata.

47. O poder da palavra está sempre solicito a vendar a natureza nua do Si, pois nenhuma representação mental se consegue libertar da linguagem.

48. A energia da vib-ratio que atravessa o vulgo escraviza-o ao mesmo tempo que esta liberta o que se encontra na Via.

49/50. O corpo subtil é um entrave ligado à inteligência limitada e ao ego. A criatura submissa faz experiências que estão ligadas às suas crenças e à ideia que tem do seu corpo, e através desses mecanismos perpétua as amarras.

51. Mas quando o tantrika habita no vib-ratio ele liberta o fluxo da criação/retorno (catástrofe/anacatástrofe), goza da liberdade plena e é mestre das rodas das energias.

52. Eu venero a palavra espontanea, fremente e maravilhosa do meu mestre que me fez atravessar o Oceano da dúvida.

Que esta joia do conhecimento arraste todas as criaturas, como Vasugupta nos propoem, e as leve a agarrar a natureza das coisas que elas guardam intensamente no peito.