Saturday, May 31, 2008

SPANDAKARIKA


Esta versão baseia-se sobretudo na «tradução» de Odier. Não tem as tentações teístas das traduções (por exemplo) de Lilian Silburn e parece-me clara quanto ao essencial... embora eu tenha algumas reticências quanto ao «personagem» Odier... mas também tenho quanto a mim mesmo...



1. A venerada Shankari (Shakti), fonte de energia, abre os olhos e o universo reabsorve-se em pura consciencia; ela fecha-os e o universo torna-se nela manifesto.

2. A vib-ratio (spanda), o efectivo lugar da criação e do retorno (metacatástrofe), é desprovido de qualquer limite uma vez que a sua natureza é destituída de forma.

3. Mesmo dentro da dualidade o tantrika mergulha na fonte não-dual visto que a pura subjectividade permanece sempre submersa na sua própria natureza.

4. Todas as noções relativas ligadas ao ego reencontram a sua calma origem profundamente infiltrada sob os multiplos estratos.

5. Num sentido absoluto, prazer e sofrimento, sujeito e objecto não são em nada distintos do espaço da consciencia profunda.

6/7. Agarrar essa evidencia essencial é vislumbrar a ubiquidade da liberdade absoluta. Deste modo o movimento dos sentidos habita nessa liberdade nuclear e alastra a partir dela.

8. Aquele que encontra essa vib-ratio substancial escapa ao obscurecimento do desejo limitado.

9. Liberto da multiplicidade dos impulsos ligados ao ego faz a experiência do samadhi.

10. Torna-se evidente que a qualidade do tantrika é a liberdade de ser através da qual o desejo reencontra a sua universalidade.

11. Como é possivel um tantrika continuar sujeito à transmigração quando a sua natureza está na origem de tudo o que se vai manifestando?

12. Se o vazio pudesse ser um objecto de contemplação onde estaria a consciencia que o apreenderia?

13. Considera deste modo a contemplação da vacuídade como um artifício de natureza analoga à de uma radical ausência do mundo.

14/15/16. Aquele que age e a acção estão unidos mas quando a acção se dissolve através do abandono dos frutos da acção, a dinamica ligada ao ego esgota-se e o tantrika que se absorve nessa contemplação profunda descobre a vib-ratio liberta das ligaduras do ego. A natureza essencial da acção é então revelada e aquele que interiorizou o movimento do desejo livra-se da dissolução. Ele não deixa de existir uma vez que regressou à origem.

17. O tantrika desperto realiza essa vib-ratio permanente através dos 3 estados.

18. Shiva fica então em união amorosa com Shakti sob a forma do conhecimento e do seu objecto enquanto simultaneamente se manifesta como nua consciencia.

19. Toda a paleta sonora dos diferentes tipos de vib-razões tem a sua origem na vib-ratio universal da consciencia e assim chega a cada ser. Como é que tal vibração pode limitar o tantrika?

20. No entanto tais vibrações são a causa do declinio das criaturas que se limitam – quando a intuição se desconecta da origem as criaturas caíem no turbilhão da transmigração.

21. Aquele que com ardor se inclina para a vib-ratio palpa a sua clara natura no seio da actividade.

22. O vib-ratio é experimentado mesmo em estados extremos – na cólera, na intensa alegria, nas digressões da mente, no elan de sobrevivência.

23/24. Quando o tantrika se oferece como Shiva/Shakti o sol e a lua elevam-se no canal central (sushuma).

25. Nesse instante, o sol e a lua desaparecem no céu - o desperto mantem-se lúcido enquanto a criatura grosseira mergulha na inconsciencia.

26/27. Os mantra, quando carregados do poder da vib-ratio concretizam a sua função através dos sentidos do que despertou. Eles unem-se no espirito do tantrika no qual perspassa a natureza de Shiva/Shakti.

28/29. Todas as coisas emergem da imanencia do tantrika que se reconhece em Shiva-Shakti. Tudo o que desfruta é Shiva-Shakti. Não há nenhuma forma de estar nomeavel que não seja Shiva/Shakti.

30. Continuamente presente à experiência que ele entende como jogo da sua natureza, o tantrika é liberto entranhando-se na vida.

31. Pela intensidade do desejo sem objecto a contemplação emerge no coração do tantrika unido à vib-ratio.

32. Este é o modo de alcançar o nectar supremo, a imortalidade do samadhi que mostra ao tantrika a sua natureza nua.

33/34. O entusiasmo em Shiva/Shakti que manifesta/recolhe o mundo permite ao tantrika sentir-se completo. Durante o sonho o sol e a lua manifestam-se no seu peito e todo o desejo se satisfaz.

35. Mas se não se faz presente/imanente o tantrika será enganado pelas dramaturgias do que se manifesta e conhecerá o estado ilusório do aspirante através da vigilia e do sono.

36/37. Como um objecto que escapa à atenção é mais claramente compreendido quando nos esforçamos para o aprender de vários lados, assim a vib-ratio aparece ao tantrika quando se inclina para a vib-ratio com entusiasmo. Então tudo se põe de acordo com a sua natureza nua.

38. Mesmo num estado de extrema fraqueza tal tantrika alcança a realização. Mesmo faminto encontrará a comida.

39. Tendo como unico apoio o reconhecimento do peito o tantrika é omnisciente e em harmonia com o mundo.

40. Se o o corpo/espirito é devastado pela falta de coragem devida à ignorancia, só a expansão da consciencia fora de qualquer limite dissipará a lassidão cuja origem terá então desaparecido.

41. A revelação do Si surge naquele que nada mais é que o desejo absoluto. Que cada qual faça esta experiência.

42. Simultaneamente a luz, o som, a forma e o sabor vêm entravar aquele que ainda se agarra ao ego.

43. Quando o tantrika penetra todas as coisas com o seu desejo de absoluto, para que servem as palavras? É em si que se desfruta.

44. Quando o tantrika permanece atento, os sentidos disseminam-se na realidade com consciencia e experimentam a permanencia.

45. Aquele que se priva do seu poder através das obscuras forças da actividade limitada torna-se um joguete da energia sonora.

46. Apanhada no campo das energias subtis e das representações mentais a ambrosia dissolve-se e o ser esquece-se da sua liberdade inata.

47. O poder da palavra está sempre solicito a vendar a natureza nua do Si, pois nenhuma representação mental se consegue libertar da linguagem.

48. A energia da vib-ratio que atravessa o vulgo escraviza-o ao mesmo tempo que esta liberta o que se encontra na Via.

49/50. O corpo subtil é um entrave ligado à inteligência limitada e ao ego. A criatura submissa faz experiências que estão ligadas às suas crenças e à ideia que tem do seu corpo, e através desses mecanismos perpétua as amarras.

51. Mas quando o tantrika habita no vib-ratio ele liberta o fluxo da criação/retorno (catástrofe/anacatástrofe), goza da liberdade plena e é mestre das rodas das energias.

52. Eu venero a palavra espontanea, fremente e maravilhosa do meu mestre que me fez atravessar o Oceano da dúvida.

Que esta joia do conhecimento arraste todas as criaturas, como Vasugupta nos propoem, e as leve a agarrar a natureza das coisas que elas guardam intensamente no peito.












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