Thursday, September 13, 2007
tau-tau (51-100)
51. As criaturas são como um enorme romance que desconhece os detalhes e os desenvolvimentos. O sábio é o seu índice. Por isso é que o consultamos.
52. O melhor entre os homens é como o vinho, tornando ébrios aqueles que o provam.
53. Deve-se frequentar um sábio moderadamente. Caso contrário seriamos demasiado fracos para resistir aos extases e idiotias que nos proporciona.
54. A sabedoria, assim como o prazer, encontra-se também nas práticas mais repugnantes.
55. É com as mãos que os homens se agarram à terra, é com as mãos que eles procuram possuír a verdade, é com as mãos que os contratos se tornam evidentes, é com as mãos que se fazem os engenhos e as guerras, é com as mãos que se moldam os sentimentos, é com as mãos que sentes a pele e o cabelo de quem amas, é com as mãos que te tornas experiente e poderás moldar o acaso para que este seja conveniente. Mas não abuses da palavra «mãos» porque tem péssimas conotações poéticas.
56. Aquele que não lutou é aquele que assimila a culpa. Adão limitou-se a obececer. Jacob lutou com o mensageiro de Deus. Job foi um crítico contundente.
57. Estica o círculo de modo a que este rebente.
58. Tudo o que regressa não quer acabar. Queres ter a eternidade como limite vicioso? Rebenta esse círculo que te torna um seu servo.
59. Tem a lâmina afiada para não teres que esfaquear.
60. Acumulas um tesouro porque queres que ele seja roubado.
61. Mantém mil tarefas em aberto, e resolve-as consoante os teus caprichos. Nunca feches todas as portas de repente.
62. Toda a honra que procurares é prostituição. A tua pureza e mérito não serão mais do que uma cedência às hipocrisias dos abjectos.
63. Abraçando tornar-se-á abraçado.
64. Torna-te ligeiro. Respira como se a respiração fosse uma dança.
65. Não procures imitar a inabilidade de um recém-nascido nem o peso entorpecido da maturidade. Sê gracioso e tudo em tua volta se tornará mais fresco.
66. Desobstroi-te. Os sentidos não existem apenas para assimilar o mundo, mas para ser o seu suplemento. Os sentidos não são consequência do mundo. Ele é que é justificado por estes.
67. Apaixona-te, e cometerás injustiças. Serás como o rio que só corre numa direcção. A tua parcialidade terá intensidade. Não percas esta oportunidade.
68. Abre o teu coração como se acolhesses um tufão. As bestas irão sentar-se à tua volta.
69. Aceite o mundo como se estivesses a fazer música experimental.
70. Carregar os fardos, acolher, desobstruir, participar na criação anónimamente, manipular com humildade: estes são os actos que tornam o sábio adorável. Por isso as raparigas o convidam para tomar chá.
71. A fortuna surge da negatividade. O apreço da convenção. É o vazio que transporta o acaso. É o mimetismo que atribui as funções.
72. Demasiada cor, som e gosto levam ao extase. A falta destes elementos afina os sentidos para as minucias do ensonso. As subtilezas nascem das carências. Num país de especiarias procurarás a intensidade dos sabores. Num país de obscuridade procurarás distinguir todos os cinzentos e os diversos cheiros que trázem os ventos. A falta de um sentido será compensada pelos outros. No país da obscuridade só a respiração te levará ao extase.
73. O sábio não será estupido ao ponto de recusar o que a natureza oferece. Na China apreciará o nevoeiro que envolve as montanhas, na Grécia o azul intenso do céu e os contornos das coisas, na India a côr que invade as almas e que as atira para o Absoluto.
74. Quem não aceita a sensação despreza a substância.
75. A ansiedade é já um desapego. O apego é a inércia da ansiedade.
76. Não é o desejo que destroi os homens, mas a posse.
77. Deseja nada possuíres de concreto. Deseja ser a potência. Faz com que as tuas faculdades se enriqueçam a tal ponto que possas ser o artesão de todas as obras de arte, de todas as músicas, de todas as filosofias.
78. Esperança e medo aguardam como traidores nas ruelas da consciência. O frio lá fora também ajuda.
79. Se suprimir a consciência suprimo o medo. Se suprimir os suburbios da consciência onde mora o medo essas traições endurecerão o coração. Os ladrões irão para o palácio.
80. O medo é um animal nocturno. Ao suprimir o medo suprimo a criança que escrutina os sons na escuridão, suprimo a magia da música.
81. E a esperança? A esperança é a evação do condicionado, mesmo que através do condicionado. Ela é o núcleo paradoxal do incondicionado.
82. O mundo não pode ser controlado. Ele resiste à maniopulação do sábio. O mundo é o que refuta permanentemente. A artephysis é o refutante refutável.
83. Quem tenta determinar o mundo afundar-se-á no lodo das suas tiranias.
84. Quem ama o mundo encontrará o alimento mais rico nas refutações e nas inclemências.
85. O som supõe que há sons que não conseguimos escutar. O mesmo acontece com os outros sentidos. Todas essas sensações inalcançáveis serão subtis ou intensas? Sem a sensação não terás acesso a essa subtil sensibilidade para a qual ainda não tens orgãos.
86. A profundidade não tem mistério. Há uma causa única e misteriosa para tudo? Dúvido. O sábio sabe da complexidade e da entrecausalidade. Ele sabe que uma situação é uma rede e não uma origem impensável.
87. O sábio descreve com metáforas que se enrolam umas nas outras e se perdem nos detalhes mais imbecis. Forma e informe complementam-se e solicitam-se. São de estéticas diferentes que se enamoram. As estéticas diferentes são como faces de uma única moeda. Não tarda essa moeda será desvalorizada e substituída por outra.
88. Um mistério não pode ser conhecido porque deixaria de ser mistério. O mistério é apenas a atmosfera da ignorância. È natural que as coisas misteriosas não tenham forma. O desejo das coisas misteriosas é tornarem-se forma.
89. Da mesma forma recorre-se ao índizivel quando há impotência para dizer.
90. O presente e o futuro são variações do passado. Ao analisares o passado neste espirito adivinharás algo das variações que hão-de vir, embora possam ser surpreendentes. Mas só através desta variação que é o presente entenderás, sob este prisma variado os restantes tempos na sua ciclicidade estilistica.
91. Não há originalidade, apenas variações.
92. Não há essências, apenas caçadas conceptuais orientadas.
93. Analisa as morfologias do passado, mas vive as do presente.
94. O que é que é ser compreendido ou incompreendido? Esta é uma questão afectiva.
95. O que é o compreensível e o incompreensível? Esta é uma questão estratégica.
96. O que é profundo é incompreensivel nunca será compreensível porque é uma mistificação. O conhecimento dos aspectos combinatórios da linguagem torna tudo compreensível (mesmo o dito «incompreensível»), como o afirmaram Lautréamont e Wittgenstein.
97. Os santos esforçam-se para parecerem incompreensíveis. Parte da comédia da santidade consiste em desconversar para desviar os parolos. É o que se passa na Divina Comédia. Os parolos ficam no Inferno, os restantes seguem em frente.
98. Os santos são incompreendidos. Não precisam de mais afecto, porque tudo é afecto mais do que suficiente.
99. Os santos sentem-se mal quando alguem os compreende. Correm logo à casa de banho. Será vaidade ou humilhação?
100. Prudentes e entusiastas. O santo é prudente. Examina as situações com perícia. É um técnico que ama os detalhes e que encara as situações partindo da diversidade dos sintomas. O santo é um entusiasta. Mergulha nas situações como se estas fossem algo de absolutamente divino.
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