Thursday, September 13, 2007

O livro das Escusas (2)


II.
48. Muitas escolas gostam de admitir, como consequência argumentatativa, que o 0 é identico ao múltiplo e à inconsistência da ilusória rede de causas.
49. Esse erro é reconfortante para o comum dos homens e facilita a prática e a propaganda. Nós refutamos esse erro.
50. Não pode haver identidade entre uma halucinação contínua e aditiva e um estado incondicionado, nem a nível da lógica, nem a nível conceptual, e muito menos metafórico.
51. O pensamento concebe com facilidade a eternidade, tal como concebe o infinito. A eternidade é como um tapete desmesurado e um tempo estupidamente inacabável.
52. Essa facilidade só prova a falsidade de noções como a eternidade. A eternidade é um argumento fast-food que supõe a ideia de um consumismo desbragado.
53. A prática da abstracção destroi os detalhes. A prática da meditação destroi os fluídos icónicos.
54. A alma (o que anima) é outro objecto de consumo que ainda está presa aos detalhes e depende daquilo que ela é: movimento (anima).
55. É fácil a identificação parcial ou total da alma com o Absoluto, como um desejo ardente ou uma humilhação masoquista, desde que esse Absoluto dê uma imagem de intensidade ou expansão.



56. Não há dignidade em nenhum desses actos. Na Anestesia não se valoriza nem se humilha. A dignidade (embora este nome seja desnecessário e postiço) é integral no acesso ao incondicionado.
57. A alma é pois um anexo do Absoluto, uma pequeníssima parte, um mínusculo movimento inferior dentro do suposto grande movimento de expansão.
58. A identificação entre o pequeno animado (a alma) e o grande animado (o Absoluto) é possivel porque partilham a caracteristica da animação. A diferença é de escala.
59. Há uma tendência em supor que a origem de tudo é uma mistura de animação e abstracção.
60. A expansão é desgaste. O poder desfaz-se no manifestar-se porque a escusa e a anestesia são permanentes.
61. O absoluto pressupõe um contra-absoluto, uma irredutivel Negativitude.
62. A interface entre a plenitude e a negativitude é o tempo.
63. A vacuidade, limitada ou ilimitada, é o suporte do absoluto e do animável. A vacuidade é como uma ausência elástica que se estica desmesuradamente. Vai fazendo espaço.
64. Há processos mentais que se encaminham para a abstracção, isto é, o desnudamento estrutural numa primeira fase, e a superação desse desnudamento através de uma apologia do inefável, como se houvesse uma recusa profunda de falar do que quer que seja.
65. A vacuidade é muito semelhante a essa abstracção.
66. A vacuidade não pode ser animada. Apenas supõe espaço de animação.
67. A pequena animação está destinado a fundir-se com o Absoluto ou aniquilar-se na vacuídade.
68. O significado é a aquisição intersticial que opõe a alma à sua hipotética aniquilação.
69. O significado tende para o Absoluto e procura-O com um desejo ardente, numa animação progressiva.
70. Como em todo o desejo, que é «sexual», a animação aumenta e a sua aceleração é crescente. À progressão do pequeno animado para o grande animado chamamos extase.
71. O Absoluto quer e não quer aniquilar-se.
72. Essa fusão do Absoluto com a Anestesia apenas se entende como vontade de renascimento do Absoluto. O 1 passa pelo 0 para ser um 1 mais revigorado e mais intenso? Ou é apenas a necessidade de frescura, de um recomeço?

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