Thursday, September 13, 2007

A VEXAÇÃO DA NÃO-MENTE

1. À natureza da mente falta quer a mente quer a natureza, embora as duas estejam necessáriamente a mais.



2. A mente é uma descarregadora embriagada.

3. Não há um único fenómeno que não seja essencial, evidente e paradoxal.

4. Nada mais superfluo e decorativo e necessário do que as essências.

5. Há que descascar, descartar e decorar antes de purificar.

6. Procura as extremidades onde encontrarás a ponta do fio que te deixará desembaraçar a meada. Mas provávelmente não há extremidades. Só embaraçamento.

7. O que é inactivo leva as coisas a manifestarem-se como se estivessem mascaradas de uma quietude brilhante.

8. Muitos falam da vacuídade para que as suas doutrinas fiquem ainda mais confusas e daí nasça um prestigio delirante e a legitimidade da perplexidade.

9. A diferença nula entre a latrina e o dharma.

10. As circunstâncias tornam-se mais e mais penetrantes de vexação em vexação.

11. Espontâneamente vindo e indo, como se quizesse falsificar o acaso.

12. O uso solicita o abuso e quase se esgota nele.

13. Se queres fazer do teu corpo um templo tens que tornar a mente límpida.

14. A pureza da mente obtem-se através da conspurcação física.

15. A impureza da mente é um estigma dos puritanos.

16. Não se pode cultivar a vacuídade da mente sem a mente. Não se pode cultivar a plenitude da não-mente sem a carne do mundo.

17. O não-saber é o sumo do saber e não a rejeição deste.

18. O maravilhoso ainda é o «quase», não a overdose.

19. Agarrar-se à ilusão como uma gibóia? Ou uma boia?

20. Depois do samadhi imóvel, um samadhi feito de modulações e de travestimentos.

21. O nirvana é um esquecimento imperdoável da musicalidade.

22. Um deus que não dance torna-se rápidamente obsoleto.

23. As garras da imobilidade...



24. Esta vida é um segredo demasiado complexo que redime a morte vagamente iluminada do universo.

25. A natureza é paródia das divindades soberanas.

26. Um princípio para parecer elevado tem que se pôr em bicos dos pés, mas para ser efectivamente elevado tem que mergulhar nos mais obscuros subterrâneos.

27. Precisamos de explicações como de divinas quecas.

28. É necessário partir o espelho da sabedoria para nos apercebermos de que esta é composta de fragmentos espelhantes.

29. O pensamento vai de vexação em vexação até não encontrar nada a que se vexar – confunde-se justamente com o mundo.

30. O sagrado é uma abundância que nasce de uma intenção/atenção ascética.

31. Desobstruir – uma prática para além de palavra de ordem.

32. «A roda do samsara produz a lama de onde brota o nirvana» – é uma afirmação infantil. Mas será inútil?

33. O brilho das ténebras é o resultado de um polimento desrazoável – procura-se o obscuro com uma vertigem psicadélica.

34. Só a diferença aconchega as ambições mentais.

35. A identidade mostra um explendor vazio que paira não se sabe sobre o quê.

36. As refutações originam um prazer de pastar no passado já que tiram o prazer ao presente. A rememoração é uma consequência de negações que geram o prazer equívoco da inactualidade.

37. A ilusão de que nem o passado nem o presente nem o futuro são é deliciosamente embriagante.

38. A lógica da Vacuídade, nos seus axiomas mais radicais e paradoxantes, tem a eficácia de um opiácio.



39. Precisamos de boleias messianicas para contemplar soberanamente a história.

40. A causa das vexações é a iminente não-existência – a existência da desistência?

41. A dádiva mantém os deuses numa hierarquia lucrativa. A cessação das dádivas cessa a glória. Nunca houve nada a receber ou a dar. A não ser que...

42. Forja perceitos que pratiques numa arrasante sedução.

43. Torna as tuas opiniões mais musicais.

44. Os sentimentos não conduzem à iluminação porque já são iluminados.

45. Os ganhos e as perdas são as faces de uma mesmo moeda embora ela caia com mais frequência para um lado do que para o outro.

46. Dizer que a iluminação procede de uma dupla refutação é como fazer nascer as coisas de enunciados lógicos. Estranha magia!...

47. Para escutarmos correctamente o nosso daimon deveriamos ter os ouvidos ainda mais limpos.

48. Falar de palavras vazias é ignorar quer a carne quer o esqueleto.

49. As ideias tentam embriagar-se da sua extinção como de uma apoteose idiota.

50. Os turbilhões mentais deixam-se controlar pela meditação. Esta constatação não implica que sejam abolidos, mas apenas que sejam transformados.

51. A mente aquietar-se-á sobretudo nas circunstâncias menos ideais.

52. A graça é mais importante que a dedução.

53. Procuramos a agitação e a impureza porque nos proporcionam o extase que a «des-mentalização» dissimuladamente solicita.

54. As formas não querem descansar, por mais perfeitas que sejam.

55. Falar de causalidade é como cacarejar em frente de uma serpente.

56. A causa das causas não se cala.

57. Deduzir que há só uma causa das causas a partir de dados firmes não me garante que haja uma só causa. Há sempre a hipóteses de haver várias causas, de não haver nenhuma causa, e de tudo se entre-causar.

58. A morte é a causalidade na cama.

59. As circunstâncias adversas proporcionam as maiores surpresas.

60. Portas para a dor sair são bem úteis.

61. As circunstâncias estão fundamentalmente cheias de relações incestuosas.




62. A iluminação é o incesto numa versão light e abstracta.

63. A calma da mente não dá para acalmar o resto do mundo, por mais contagiante que seja.

64. O altruísmo incita convincentemente ao assassinato.

65. Por mais errados que estejam os fenómenos estes podem levar-nos a práticas correctas.

66. Fazer qualquer coisa, como se houvesse reciprocidade, mesmo que esta seja infíma.

67. A natureza renasce-se todos os dias e através dela algo remanesce para além do tempo e suas morfologias desperdiçadas.

68. A virtude é a «formação» e a «deformação», não a Forma ou a sua aniquilação... será necessário estar sempre a dizê-lo?

No comments: