Thursday, September 13, 2007
Tau-tau (1-50)
1. O Tau-Tau que pode ser conhecido é o falso Tau-Tau. É como o cão que saliva pelo osso, e não o cão que devorou o guizado.
2. A substância tóxicodependente que constitui o mundo é somente um vício sem qualidades.
3. O Tau-Tau é tudo o que existe e tudo o que desiste. O mundo (a artephysis) é o mapa das existências e das desistências.
4. Há que experimentar os clisteres da subjectividade para aprender a detestar o mundo. A dois ou a mais ainda é pior.
5. O mundo é a minha inexperiência e irresponsabilidade. Falta-me além disso vontade para deixar de ter vontade.
6. A experiência só torna o mundo mais distinto do sujeito e das suas atribuladas representações.
7. A filosofia é uma má paródia da sabedoria.
8. A subtileza com o tempo torna-se infinita e... insuportável.
9. Quando a beleza é reconhecida devém um vício.
10. Ulisses vê como é feio ao espelho. Parece-se demasiado com os deuses.
11. O belo e o feio quando comparados tornam-se admiráveis rivais.
12. As massas perferem coisas vulgares. As elites coisas esquesitas. Toda a estética sociológica se pode reduzir a isto.
13. A abstracção é um critério engenhoso e sofisticado. Serve para controlar. O quê? Os vícios e as imagens. Do ponto de vista abstracto toda a imagem é uma perversão.
14. O progresso torna a vida mais fácil, a concorrência mais intensa e o mundo mais feio.
15. O conhecimento cresce na abstracção. O vivo contrai-se quando abstraído. A interacção entre o vivo e o abstracto é a inoperância e a fantasia.
16. O Difícil e o fácil são modos de julgar a resistência. O distante e o próximo são afectos de posição. O forte e o fraco são graus de descontrole. O a seguir e o antes são meras posições sequênciais.
17. As canções e os discursos determinam a influência nas massas e trazem harmonia aos lares mais rafeiros.
18. O controle do sábio faz-se sem grande autoridade. De preferência por telepatia. Põe as canções e as palavras de lado. Manipula pela imobilidade.
19. O sábio permite que as coisas tirem partido das coisas. Deixa que a ascensão e queda das coisas suceda sem demasiada interferência. Não faz exigências, não grita, não espanca. É esquivo como um ladrão. Deixa que as iniciativas surjam como um terramoto. Com violência e ingenuidade.
20. Dar sem exigir. A única dádiva digna de ser dádiva é a dádiva secreta, unilateral, anónima.
21. É preferível elogiar o hipócrita do que elogiar o digno. Os elogios tornam os dignos hipócritas. Por vezes o melhor elogio é um estalo na cara.
22. Pensar é fazer batota, é desviar as aparências da sua beleza descentrada.
23. A estima é que implica o raro. O raro chama a si o roubo. A estima leva ao roubo.
24. A beleza predispõe os povos para a luxuria. A luxuria torna os povos mais belos. Um povo sem luxuria não tem muito interesse.
25. Para controlar a luxuria inventou-se a moralidade e a fiscalidade. O estado nasceu da necessidade de organizar esse controle absurdo.
26. O estado não redestribui a riqueza. Não a tira aos ricos para dar aos pobres como Robun Hood. Tira a ricos e pobres para dar ao estado, isto é, para manter a burocracia e o exército. Contribui ainda para aquilo a que chamaremos a luxuria do estado: cerimonias e monumentos inuteis.
27. Um povo prudente não produz sábios. Um povo sábio não é prudente.
28. Se queres controlar as massas esvazia os seus corações, exige sacrificios e enche-lhes a barriga. Foi o que fez Hitler.
29. Um povo sem ambições é como uma vaca abandonada.
30. Um povo ignorante dedica-se à acção mais depressa. A acção é uma vontade de derrota.
31. A guerra para ser bem sucedida tem que ser feita com tecnologias sofisticadas. Quem ganha uma guerra não é o mais forte ou o mais numeroso mas o que usou melhores táticas e melhores armas. Os povos com conhecimento, por mais perversos que sejam, vencem com facilidade os povos prudentes e ignorantes.
32. Se nenhuma acção for produzida nada me garante que essa comunidade não seja destruída.
33. Astúcia e engenho são mais necessários e indispensáveis para a sobrevivência do que a perfeição moral.
34. O Tau-Tau é um veículo imoderado. A subjectividade guia-o descuidadamente. A natureza inteira não o preenche. É como um espaço elástico ao qual sobra demasiado vazio e demasiado cheio.
35. O sábio não pode ser cortado, atado, escurecido ou acalmado (muito menos acamado).
36. As profundidades são evidentes, ubíquas e teatrais.
37. O que vem não se sabe de onde vem. Vem antes da natureza? Não sabemos.
38. A natureza é rude e díficil de amar. Trata todas as criaturas de uma forma inclemente e pouco misericordiosa. Mas apesar de tudo é materna.
39. O sábio não é querido. Trata as massas com ironia. Mas no fundo é um pai que as ama perdidamente.
40. A natureza gosta de jogar à apanhada.
41. A natureza quanto mais se move, mais se rende às evidências e à violência da dissimulação.
42. O sábio extrai a sabedoria do Tau-Tau como se esta fosse uma cárie.
43. Podes contemplar o céu porque a lotação ainda não está esgotada. Mas um dia pode esgotar.
44. A curva do rio é uma metáfora onde o povo gosta de nadar.
45. Antes do mundo existir estava dentro do sexo de uma mulher cujo nome nunca poderemos saber. A sabedoria consiste em encontrar a labirintica entrada para esse sexo obscuro. Cuidado com os bichos que andam na floresta de pelos.
46. O mundo torna-se mais mundo quando assumimos as nossas contradicções.
47. O Tau-Tau actualiza-se através de si mesmo. A sua não-imagem é inconstante. É como um rio que não se sabe serenar e cujas curvas mudam constantemente.
48. A natureza não é nudez. Há quem diga que a subjectividade não é uma sua propriedade. Mas a natureza é egoísta. E desenvolve multiplos modos de individuação. A natureza é o que há de menos geral. Dizer generalidades sobre ela é como jogar à cabra-cega. É o que se passa aqui.
49. O sábio serve-se a si mesmo porque tem fome. Tem tal excesso de subjectividade (ou de ausência dela) que não cabe nem no seu corpo nem no seu pensamento. Ele arrasta todo esse turbilhão subjectivo como se fosse a sua magnificência.
50. O seu corpo é um acaso que se tornou resistente.
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