Thursday, September 13, 2007

BUDDHA BINGO








# 1. There’s no Bingo like Buddha. There’s no Buddha like Bingo! – disse o mestre. Duração, origem, destruição, sendo, não-sendo, baixo, alto, igual, diferente, moderado, exagerado, mediocre e excelente são meras tretas que a convenção nos impinge! Não há peremptóriamente nenhum sentido absoluto! Também não há sentidos relativos! Nada faz sentido! Isto não faz sentido! Tal é, ó futuros buddhas, o caminho da libertação!

# 2. Todas as proposições são sem significado, quer para o eu ilusório, quer para os eus desiludidos, quer para os não-eus, quer ainda (e in extremis) para os não-não-eus. Tal como essa cena do nirvana, o que se exprime está vazio de conteúdo. A expressividade da forma é consequência de não haver formas mas apenas miragens transicionais. Mesmo o puro vazio é irrelevante.

# 3. Se a todas as coisas falta realidade, ou causas, ou consequências, ou possibilidade de inferência, ou circunstâncias (verdadeiras ou falsas), é porque as coisas, despidas de todo o totalitarismo e da consciencia enganadora, estão vazias não só de qualquer coisa, mas até do vazio.

# 4. O Ser nunca foi ser nem não-ser mesmo na sua aurora dita gloriosa. Nada se opõe a nada. O que se deita e se levanta é heterógeneo, fluído. A inércia da matéria deve-se a circunstâncias locais, à magia particular do nosso patêgo e suburbano planeta.

# 5. O que nasceu é indestrutível, está aí, como um pescoço de girafa, para a admiração de todos. O que ainda não nasceu já é indestrutível. Não se pode destruír o que nasceu porque não está (não acampa com nenhuma glória). Quanto ao que não nasceu, a sua insignificância só pode ser sentida como insignificância e como promessa de nunca vir a ser.

# 6. Uma causa procura muitos efeitos. Muitas causas procuram algum efeito. Os efeitos não existem, só existe a lógica absurda dos efeitos. A lógica dos efeitos é como um efeito, mas não passa de consciência. Entre todas as coisas ilusórias a consciência é a mais enganadora.



# 7. Sem a singularidade a multiplicidade é uma barraca de feira. Sem a multiplicidade a singularidade nunca terá direito a cidadania entre as lubricidades intelectuais. O que se desoculta indetermina-se. A indeterminação é como os cavalos que puxam a carroça da inconsistência.

# 8. Se houvesse alguma determinação ela ainda não teria sucedido, porque para suceder seria necessário que fosse comunicável. Para que fosse comunicável teria que saír da esfera da mente. Para saír da esfera da mente seria imprescindível que ela existisse. O que se provou que não acontece.

# 9. O permanente é uma treta. A impermanência é uma tanga. Os sentidos são prerversões de não-conjunturas. Nada tem identidade. Nada tem não-identidade. Nada tem não-não-identidade. Prazer, sofrimento, tédio e ângustias existênciais não passam de má quimica num laboratório inexistente.

# 10. Os sentidos são ignorância. A experiência não experimenta. As forças formativas nada formam. A natureza é uma tapeçaria cujos fios são nada.

# 11. A ignorância não tem sucesso nem sucede. Não há atributos pré-establecidos. As forças formativas não desocultam sequer a vacuídade.

# 12. Como é que algo pode derivar do inacessível? As circunstâncias não têm a oportunidade de ser circunstâncias. O acaso também não pode ocorrer onde nem sequer há causalidade.

# 13. Um pai não é um pai e muito menos um filho. Nada coexiste nem com os outros nem consigo mesmo. Não há relações nem correlações, nem identidade, nem simultaneidade.

# 14. Para haver objectos reais deveria haver objectos irreais. Mas não há. O aprazível e o desagradável seriam estados sensoriais relativamente a objectos. Faltando os objectos não é possível buscar sensações nem filtrá-las pelo desejo e pelo medo. Há demasiada falta de dependências.

# 15. Reclamação: mas então são as próprias sensações que constrõe objectos imaginários (nem reais nem irreais) para deleite sensorial. A mente, ainda que inconsistente procura o luxo da expressividade ao desenhar objectos e mundos, assim como causas, categorias e lógicas.

# 16. Rejeição: Para que as sensações existissem seria necessário que houvesse objectos reais ou irreais porque deste modo haveria uma capacidade de construção que requer atributos. Também seria necessário que a mente fosse mente, e para a mente ser mente ela já é algo, real ou real. Tudo isso é falso. Logo a mente, as suas hipotéticas construções e as sensações derivadas não se devem ter em conta.

# 17. Será que o não-ser pode ter o seu direito a habitar? Diferencia-se? É um não-habitar? É um mal-estar? O não-ser nem sequer é um não, nem um ser. A negação não passa de uma subtileza lógica destinada a filtrar o in-filtrável. O ser é uma palavra inócua inventada pasa agregar tudo de uma forma tirânica. Mas falta o in-filtrável e o tudo. Assim, quer o não, quer o ser, quer o não-ser, devem ir para o caixote do lixo.



# 18. Reclamação: se falta ser e não-ser, e até a negação, como é que há emergências e caducidades. Porquê esta sensação de que somos a periferia de uma coisa mal formada?

# 19. Rejeição: as emergências e as caducidades seriam atributos ou do ser ou do não-ser ou da interface entre ambos. Mas, como observamos, estes não passam de construções mentais enganadoras. Se uma emergência é um começar a ser e a caducidade um deixar de ser, então estes termos são metáforas inadequadas para explicar o que não precisa de ser explicado.

# 20. Sem presença não há ausência. A sensação de falta mostra que a presença não é sufientemente presente. A sensação de falta só indica que não há presentificação em nenhuma presença. Não é sequer o não estar. É o nunca ter estado.

# 21. Se existisse o que está, ele quereria continuar a estar e seria imóvel e incorruptível. Mas há quem diga que a aniquilação acontece e incendeia tudo. Qual destas situações a mais falsa? Ambas e nenhuma.

# 22. A opinião (a doxa) pressupõe o contínuo. Se houvesse descontinuidade nada transitaria para nada e seria impossivel formar uma opinião pois os actos funcionariam como singularidades sem transição e sem congruências de causalidade.

# 23. O grande Bingo faz com que a continuidade e a transitoriedade desacelerem. Mais do que proclamar a vacuídade como um slogan estupido ou um ensinamento sofisticado a doutrina visa pôr a nú as metáforas que nos empurram para o carrossel das subjugações e sofrimentos.

# 24. Mas o sopro de liberdade também não é isso. As metáforas não moldam a natureza. Como é que elas poderiam moldar a não-natureza. A substâncialidade é o esquivo.

# 25. O nirvana é uma fuga. «É fugindo que nos rencontramos». Se ele fosse uma supressão radical tudo seria destruído. Ora nada é destruído ou não-destruído. A ilusão continua a sua dança. O sábio retira-se dessa dança.

# 26. Uma retirada definitiva deixaria a ilusão ao seu abandono, isto é, dissolver-se-ia com todos os budas do presente, do passado e do futuro. Porém o sábio contempla-a. Um nirvana sem nada para contemplar seria um tédio.

# 27. O mercado condiciona a libertação. A libertação é o negócio supremo, com ou sem dinheiro. O que liberta também subjuga. O sábio procura menos um status de libertado do que se desfazer das leis do mercado. Também é certo que para uns o mercado é o nirvana. Será?

# 28. As explicações vêm ter connosco, por isso as enunciamos como se fossem lâminas cortantes: causas, efeitos, sentimentos, o visível, o invísivel, etc. Não tememos os pesadelos teóricos porque rápidamente nos desembaraçamos deles. O intelecto é um instrumento, ainda que desmesuradamente incongruente. Nós pulverizamo-lo. Os conceitos saiem afiados, sem medo, rápidos.

# 29. Os três tempos não existem e muito menos a aglutinante eternidade. Não há reciprocidade, não há transição, não há passagem, não há sequer um oceano desmesurado de tempo que abarque todos os instantes. Não há grandes ciclos, nem origens ou climax. Não há não-tempo. Nem tempos descontinuos, nem regressos. Todas estas formas de pensar o tempo são hipoteses brejeiras.

# 30. O condicionado é como um supermercado dominado por três marcas: origem, duração, e cessação. As criaturas são consumidoras de produtos inexistentes. Só existe o pacote com a marca e a descrição. Existe um vício. A melhor droga é o vazio.

# 31. O vazio é indestrutível. Como é que pode o que não é ser destruído? Também o que está aí não pode ser destruído, por mais originado ou criado que possa parecer. Uma vez que o vazio é substância de todas as coisas como é que elas podem realmente ser criadas ou destruídas?

# 32. O que se compõe e decompõe não admite a multiplicidade e muito menos a singularidade ou a pontualidade. Haveria o estando, o não-estando e o não-não-estando, e assim sucessivamente. A composição é como uma projecção de um filme: se iluminada desaparece, se obscurecida, também desaparece. Tudo se passa entre estes dois limites.

# 33. Mas, dirão os detractores, os actos empurram para os actos, e o grande mestre falou e falou da sequênciação dos actos e de como estes condicionam a sua própria cessassão, assim como o frete dos renascimentos. Só o acto pode destruir o acto. Só a causa pode suprimir a causalidade.



# 34. Ao que respondemos: se os actos fossem actos eles poderiam suprimir-se. Mas os actos não são actos. Ninguém morre ou renasce. Como pode cessar o que nunca esteve em movimento? Como pode ser acto o que nunca foi potência. A própria defenição de acto implica uma carência fundamental. O mestre falou em parábolas e as suas parábolas jogavam o jogo dos supostos actos. Os actos são opiniões. A discriminação não suprime opiniões. A opinião, a doxa, é que é essencialmente pseudos, fumo de fumo. Como é que poderiamos levar à letra as opiniões como dramaturgia concreta?

# 35. Se os actos ou as interpretações fossem essências ou corpos, a criação seria permanente e consequente. Caso houvesse actos o sofrimento seria possível assim como a sua cessassão. Mas o sofrimento é impossivel, inacessivel e sem origem ou fim.

# 36. Os actos não são fortuitos nem situáveis. É certo que lhes atribuímos formas e predicados. Aquilo a que chamamos actos são fumos de fumos, imagens que se formam a partir da inconsistência da inconsistência, como quando se fuma òpio.

# 37. Os actos têm as doxas como pro-vocações. São estas opiniões-opiadas que dão lugar, como numa cosmologia platónica, às formas e à suposta materialidade. A forma e a matéria são os denominados corpos. Os corpos seriam frutos dos actos. Mas o acto só é possivel pela acção. Ora, dado que não existe acção, não há corpos.

# 38. Sem acto não há actores. Sem actores não há representação. Sem representação nenhum deleite.

# 39. Mal nos apercebemos que os actos estão vazios de actores, de representações, ou do que quer que seja, o acto esgota-se e a ilusão dissolve-se. Mesmo as miragens deixam de ser hipotéticamente consequentes. O acto não volta a regressar.

# 40. O próprio libertador é uma alucinação de uma alucinação. O nirvana é uma droga identica à roda dos actos.




# 41. O descondicionador é mais do que vago. Não passa de um nome convencional, de uma representação sem suporte, de um significado absurdo.

# 42. Nada nos é dado para além do vício das aparências a que teimamos chamar natureza. A natureza não tem um significado secreto ou uma consistência discriminável. Só falamos dela através de convenções.

# 43. As convenções não são actos, mas meras actas. A convenção é o que nos convence dos actos. Temos que nos desconvencer e desconvencionar.

# 44. O uso de negativos em linguagem indica uma firme convicção que mina toda a confiança na linguagem. Não é muito difícil de compreender e de tirar as conclusões.

# 45. Se a imaginação é possivel, e as coisas imaginadas não são coisas nem não-coisas é porque tudo é imaginário. Mas a imaginação para ter imagens para se alimentar teria que se alicerçar em coisas e em actos. Porém, como a imaginação supõe que não há coisas nem actos para lá dela, teremos que concluir que a imaginação também é uma coisa imaginária.

# 46. Tratando-se tudo de uma virtualidade pura, apenas nos apercebemos das virtudes da virtualidade. Não há nenhuma realidade para além dela. É impossível que essa virtualidade se torne consistência, matéria ou corpo. Só podemos imaginá-los virtualmente.

# 47. A imaginação imagina a imaginação. Daí se depreende a flatulência generalizada das coisas e dos conceitos.

# 48. Haverá sentidos finais ou inescapáveis? Ou apenas nos concebemos no intervalo da multiplicidade das imaginações imaginando-se? Confiamos nas convenções, mas nenhuma delas é de confiar!

# 49. Como poderiamos confiar nas palavras do próprio Buddha? Não são elas convenções inexistentes? Ele ensinou o Dharma, que também não passa de uma encenação vazia para um palco imaginário onde não há actores nem espectadores. Não há pungência nos seus discursos. Os seus sutras nunca foram por ele proferidos. A que é que nos poderemos segurar? A nada nos podemos segurar!

# 50. Se procuras mais um produto vulgar que te dará a felicidade, desengana-te! Sem pontos de apoio, sem ilusões, sem convicções profundas ou fés brejeiras tudo parece condenado a uma ângustia. Mas o nada nada tem a temer. A libertação não chega porque a subjugação é inconsistente. O amanhã glorioso não sorrirá porque já nos falta o hoje. A paz que buscas é tão ilusória e inexistente quanto a ânsiedade com que a procuras. Quanto mais a buscares mais acentuas a ânsiedade e menos a encontrarás. Por isso nada é buda. Por isso somos o nirvana ébrio de nirvana ou samsara farto do samsara.

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