Friday, September 14, 2007

tau-tau (351-400)


351. Na ingenuidade o mundo surge encantado. A lucidez é o estado critíco de decepção.
352. Há quem diga que conquistar o mundo é não mexer uma palha. O sábio preferer mexer umas quantas palhas para não ter a responsabilidade de ter um mundo conquistado nas mãos.
353. Para ser franco, o mundo é inconquistável. A conquista é uma alegoria das atribulações e desordens em que o mundo se mete.
354. O sábio tem dificuldade em distinguir-se das restantes coisas. O que não quer dizer que ele seja indistinto. O que ele é, é portador da indistinção.
355. As necessidades dos povos não são as suas. Será que os povos deveriam comportar-se como o sábio? Ou isso seria a suprema insensatez?
356. O sábio confia no acessório, no supérfluo. Para ele há mais verdade nas mentiras das fábulas do que nas verdades da ciência.
357. É uma banalidade, mas vida e morte são indissociáveis. O sábio procura porlongar a sua vida como se esticasse a sua morte. A morte precede a vida, como um tempo desmesurado e sem tempo.
358. A morte é a substância dos sonhos. Nos sonhos os teus antepassados procuram-te. A semelhança do sonho com a morte é temível.
359. Nada nos garante que a morte seja morte. Nada nos garante que os nossos limites sejam apenas estes limites. Será que participamos em algo maior ou menor? Será que somos participantes em nada?
360. «Quanto tempo estaremos no tempo?». O que é que é estar fora do tempo?
361. Para alguns filósofos há uma assimetria radical entre a morte e a vida. A vida é a excepção, a morte a norma. A morte e a vida não seriam duas faces da mesma moeda, porque a vida seria pouco mais que um ponto num oceano de morte.
362. A morte nada redime. As poucas vezes que a morte se transforma em vida nada traz de reconfortante.
363. A morte é assexuada. O assexuado precede toda a sexuação. É a sexuação que torna a vida mais plena.



364. O Tau-Tau não é o recuo à morte mas o inexplicável da vida, quer na doçura quer na violência.
365. A ternura é um exercicio espiritual.
366. O repouso existe como preparação do frenesim.
367. Comparamos o amor a algo que nos satisfaça como a teta materna: uma satisfação absoluta, embora circunstâncial.
368. Quem exige é porque não sabe dar.
369. A dádiva é a negação da reciprocidade.
370. O altruísta é egoísta nos meandros da consciência. O sábio é altruísta como se procurasse denegrir-se. Não encontra nenhum júbilo em ajudar os outros. Fá-lo como se nunca tivesse estado em falta.
371. Os deveres da natureza para connosco são muito superiores a qualquer dívida que tenhamos para com ela.
372. O sábio é aquele que acumula dádivas futuras. A grande arte é a dádiva de uma alegria estonteante.
373. Toda a legitimidade é indesejável. A natureza excepcional da natureza viva leva-nos a encará-la menos como lei e mais como delito. O inorgânico é completamente amoral. As leis foram criadas para nos defenderen de algumas potêncialidades crueis da natureza.
374. O descontrole, a desdomesticação, etc. Tudo isto nos leva a algo bem distinto do mito do bom selvagem. Nós não queremos tornarmo-nos mais naturais. Nós somos excessivamente naturais, mesmo nas coisas mais sofisticadas e culturais. O que queremos é desfazer esta oposição entre cultura e natureza.
375. O inorgânico não ama.
376. Suspender o juízo? Surpreender o juízo? Reservamos os nossos julgamentos porque os acontecimentos são delicados, mas sobretudo procuramos falar ao lado, destilando todo o veneno possível, inutilmente.
377. Esse tipo de conversa natural, burlesca, carnavalesca, auto-denegridora, esclarece em parte o turbilhão que nos atravessa. É uma conversa à qual se deve dar atenção. É a tagarelice que permite o pudor.
378. Prefere o detalhe a Deus. Prefere a exactidão à perfeição.
379. Pensa com tacto.
380. A honestidade acaba sempre por ser a corruptora.
381. Desvia-te da estrada principal, só encontrarás nela gente simplificada.
382. Quem sabe não sabe lá muito bem.
383. Os paradoxos são fáceis de enunciar. São uma forma electrizada de pôr algumas palavras a borbulhar.



384. Falar é uma necessidade canora.
385. Quem procura o silêncio sufoca o cantor.
386. A aproximação à natureza é feita de um modo musical: com as orelhas e com a voz.
387. A harmonia é uma designação musical. A noção de ruído é do dominio da escuta. Todos os sons se buscam. Não há não-harmonia.
388. Se a harmonia é apenas um modo simplificado dos sons rimarem então o sábio ama as calamidades ruidosas.
389. O silêncio não cala. A fala não «fala». Como se explica esta tagarelice?
390. É menos importante o que se diz do que o como se diz.
391. O sábio está menos preocupado com a meia duzia de palavras que é capaz de combinar de modo a que elas penetrem nos adeptos, e mais preocupado com o modo como elas vão ser saboreadas. O contexto físico e emocional é mais importante que os espartilhos da gramática.
392. Ao fim de algumas tiradas como estas a sabedoria é uma maçada.
393. Dizer que nada afecta o sábio é pura demagogia. O sábio é afectado mas com muito mais ligeireza. Essa menor afectação do sábio deve-se ao facto dele estar repleto de afectos. Quanto mais afectos dá, mais deles se enche. Os carentes são os incapazes de generosidade.
394. Sê humido como a terra e sêco como o céu.
395. A imparcialidade não é possivel num governante.
396. A inocência não assenta num governante. Um governante é um culpado voluntário. Ou uma piada de mau-gosto?
397. À luz do Tau-Tau somos todos ingénuos. A ingenuidade é o que nos é comum e o que nos diferencia.
398. A ingenuidade é a genialidade.



399. Na guerra a traição é a melhor das intenções. Sem cinismo as derrotas estão asseguradas.
400. Se queres manter a candura durante uma guerra foge o mais depressa possível.

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