Thursday, September 13, 2007

LIVRO DAS ESCUSAS (1)




0 (=) 0

I.
1. O que não é causa nem causador, nem dos outros, nem de si mesmo.
2. O nome que se lhe dá é Anestesia.
3. Tudo o que dele se pode dizer é um equívoco, e dele não se deveria falar, mas é ele que se deve pensar, se bem que nele nada seja pensamento.
4. O pensamento na sua nudez mais intensa, obscessivamente, sem interior nem exterior, sem qualquer tipo de encenação ou acção.
5. Nem imóvel, nem em actividade: equilibrio absoluto de um ignoto.
6. Todas as qualidades não passam de escusas, más desculpas para a não-aceitação de uma nulidade que não se reconhece nesse nome.
7. Toda a causalidade é um equívoco.
8. O maior equívoco entre esses equívocos é a suposição de uma causa primeira à qual se sucederiam causas outras, filhas, enteadas, degradações estruturantes de um modus operandi incessante.
9. Só o inacessível é desejável.
10. O que é desejável não se deseja a si mesmo, nem se odeia.
11. Seria fácil dizer que é desprovido de qualidades ou que só as podemos enumerar negativamento como na teologia do Areopagita.
12. Essa enumeração do negativo é, apesar de tudo, um rastilho de qualidades.
13. Teremos que negar e voltar a negar todas essas negações para ter um vislumbre do que é uma Escusa, o que não se dá nem deixa de se dar.
14. O Ser é o Ser. A equação pode-se formular como 1 = 1. Na unidade só há o completo e nenhum inacabado. Henologia que face ao mundo se tornou mole.
15. O Um acaba sempre por condescender à multiplicidade, e o «mal» que levou a isso é usualmente mal explicado.
16. O Não-Ser nem sequer é a oportunidade de um dia vir a ser. A sua equação é impossível e desnecessária. Erradicada porque errada.
17. Há no entanto espaço de manobra, não para o não ser, mas para o facto de o 1 suscitar a sua sombra matemática, a sua negatividade, o -1.
18. O -1 é identico a si mesmo, e pode ser explicado como sombra da nulidade absoluta.



19. A negatividade é tão presente quanto o que é determinante. Os principios são distintos e é mais facil aniquilar o «positivo» e a causalidade utilizando os métodos da negatividade do que utilizando a dedução que só reforça o ilusionismo causal.
20. Essa explicação faz sentido porque a formulação rigorosa do princípio da nulidade é de que 0 (=) 0. O traço de igualdade deve ser posto entre parenteses, porque não há possibilidade sequer de auto-identificação quer externa quer interna. O 1 implica o -1.
21. Dado que esta é a única certeza, toda a presença supõe a sua anulação. Assim toda a causa, superior ou inferior, entra em jogo com uma contra causa.
22. Qualquer presença supõe a sua degradação, assim como a dos outros.
23. O mundo é o espelho da sua negatividade.
24. O ainda não ter nascido dá-nos uma ideia mais completa da nulidade do que a consciencia da mortalidade.
25. O passado é a encenação de que há causalidades. Mas o passado é algo que é externo e que as criaturas tentam absorver de modo a demonstrar a existência do tempo.
26. O tempo é uma ficção que mata. A morte, como acto, é outra ficção.
27. A anestesia é anterior não só ao ínicio dos ínicios, como a qualquer hípotese abstracta de pressuposto estrutural.
28. A relação da anestesia consigo mesma provoca a ilusão de plenitude, de absoluto, de unidade, de causa suprema.
29. O Um é a ilusão antes de todas as ilusões. A totalidade, assim como a alucinação intensa que dela decorre, deve ser despromovida à categoria do Absoluto.
30. A linguagem procura sistemáticamente levar-nos nessa direcção porque a linguagem só se justifica como sentido.
31. O fundamento da linguagem é o «não-não-dito».
32. Pelo contrário, a música e as imagens não nos permitem tão fácilmente tais extrapoloções embora estas formas de expressão estejam submetidas a outros atractores («a música procura o seu fim, adiado ou inadiável»; as imagens tendem a respeitar a «gravidade»).


33. A lógica «intuitiva» deixa-nos ser mais claros do que a gramática ou a lógica formal porque nos permite escapar a regras que limitam o pensamento.
34. Se a divisão da Anestesia por si mesma gerou a Plenitude e o Absoluto como uma miragem, foi essa miragem que instaurou a sequência das causalidades fictícias e o mundo como pesadelo.
35. Para suprimir esse pesadelo é necessário suprimir gradualmente a causalidade.
36. Os graus que concedem essa supressão começam nos niveis inferiores, onde há mais variedade e singularidade, passando de seguida aos principios estruturantes e, finalmente, à causa primeira.
37. O acesso ao Um por si só não tem um efeito libertador. Há que fazer a passagem à relação que engendra o Um e suprimi-la através de uma rigorosa disciplina meditativa.
38. Enquanto há relação há dor. A ascese verdadeira consiste em suprimir não só a relação como a não-relação.
39. Com essa supressão desaparece igualmente o continuo e o descontinuo, o instante e a eternidade.



40. A dificuldade em fazer esse retrocesso está no apego.
41. O apego explica-se através do próprio apego, ou se preferirem, vício.
42. A relação adictiva com as coisas é como um círculo vícioso.
43. A via de emancipação consiste na recusa dos influxos perceptivos, dos estados emotivos, das imagens intelectivas e das tentações de extase ou enstase.
44. Devemos falar de uma «potência» ínicial de anestesia, apatia, aniconia.
45. O pensamento e a meditação são intrumentos nesta primeira fase que nos facilitam a superação destes flagelos.
46. Numa segunda fase a meditação suprime o pensamento entrando num contínuo meditativo.
47. O difícil é suprimir esse contínuo e a própria meditação.

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