Friday, September 14, 2007
tau-tau (151-200)
151. A insistência na inexpressividade pode ser considerada um cume ético mas é a ruina dos sentidos. Uma ética sem sentidos é como um filme mudo para cegos.
152. O sábio não pretende endireitar o torto, mas sómente dar um uso adequado a essa complexa geometria.
153. O sábio introduz a desordem no vazio e o vazio na desordem. A ordem é inevitável. A organização requer um esforço suplementar. Há que escolher o momento apropriado para organizar.
154. O mundo aceita-nos e rejeita-nos com leviandade. Temos o dever e a possibilidade de críticar o mundo, a natureza, deus, os deuses, as leis e os governos, mas sabemos que esses lamentos apenas nos servem para consolar. As orelhas que regem as coisas só são sensíveis aos seus sentimentos patetas.
155. O sábio aceita o mundo com reticências. Procura a excelência. Não desdenha a vulgaridade. Mas também não a cultiva por aí além.
156. Haverá algo mais artificial do que a legitimidade? A legitimidade é a burocracia do que deveria ser a graça. Quando a graça deixa de existir a legitimidade permanece como uma desgraça.
157. A fama sussurra entre o boato e a glória. O sábio está fora desse sussurrar. Por isso ele é glorioso.
158. Ao aceitar o que acontece ele torna-se tentacular. Aceitar não é conformar-se, mas ser um cooperante das transformações. Essa cooperação transforma decisivamente as transformações.
159. Alguém disse: é movendo que repousamos. Ou: é fugindo que nos encontramos. Ou ainda: é esquivando que combatemos.
160. A natureza tagarela baixinho. Não há silêncio nas paisagens, nem nos bichos. Mesmo o vento faz com que os objectos psalmodiem. O ruído da chuva é prodigioso. Mas a natureza não diz nada. É como se falasse pelo prazer de falar.
161. Do mesmo modo a música fala sem procurar nenhum sentido. É jogo e vontade de exprimir por exprimir.
162. Se a natureza não transmite nenhum sentido porque é que o homem o procura? Se o homem não procurar demasiados sentidos começará a sentir. Sentir é ser-se natureza.
163. O amador é mais que o amor ou algo que se concentra no objecto amado. O amador é a abertura para algo concreto. É a desobstrução amatória.
164. Tenta manter-te muito tempo na ponta dos pés e ganharás novos músculos.
165. As justificações são sintomas de impotência.
166. A sabedoria implica um estiramento do corpo e do pensamento, assim como a musculação dos mesmos.
167. Faz da glória um segredo. Os segredos fortalecem a glória.
168. Um mistério não é mais do que um bluff. Com perícia pode dar muito lucro.
169. Ele orgulhava-se de não ser orgulhoso. Baahhh...
170. O amor abole a repugnância e sublima-a numa atracção anormal. O sexo procura-a àvidamente.
171. Os atributos do mistério são não-existentes. Silêncio? Só se fores surdo. Profundidade? Tudo o que é fundo tem limite. Solidão? Baah! Imutabilidade? Por quanto tempo?
172. O Tau-Tau é ubiquo mas não omnipresente. A sua presença é discreta. O Tau-Tau é movediço, ou se preferirem atópico. Está sempre aqui, embora já não esteja aqui nem more ao lado.
173. O Tau-Tau é a madrasta do mundo. Pérfida? Esforçada? Negligente?
174. Podia chamar-lhe todos os nomes. Há nomes inadequados?
175. Quando um místico profissional diz convictamente que alguma treta é inominável poderemos confiar nele? Todos os nomes são convenções. É certo que há sons mais agradáveis do que outros, e mais eficazes quando pronunciados. Mas na escrita todos os nomes ou são bons ou pardos.
176. Todos os limites são borbulhantes. Nos limites as formas estão em guerrilha.
177. O infinito é apenas uma metáfora de acumulação progressiva. O infinito não adianta muito ao sábio. Só aos matemáticos.
178. Se queres caminhar no infinito não vás muito depressa. Nunca o encontrarás por mais que corras. A julgar por Zenão...
179. Para uns o infinito é a imobilidade e o ser, tal como para outros o instante é a eternidade... mas não durante todo o tempo!
180. Se queres caminhar no vazio transforma-te em vazio. Mas se te transformas em vazio não caminharás. Na melhor das hipóteses serás caminhado.
181. No Tau-Tau não há diferença entre vazio e atrito? Há mas a artephysis é mescla. Não é possivel separar o vazio do atrito.
182. As formas são mais constantes e limitadas do que o desejável, embora a sua combinação possa ser infinita.
183. A quantidade das coisas mais pequenas que existem no mundo é em número muito menor do que tu possas imaginar.
184. A artephysis é a combinação de um número muito limitado de elementos. Poucas coisas chegam e sobram para constituir tanta diversidade.
185. A subjectividade é uma pequena coisa sem consistência que experimenta um prazer lubrico em imaginar-se sem limites.
186. O mestre mostra calma. Se não mostrasse calma não conseguiria amestrar os discípulos.
187. Um tom grave é mais convincente. Um mestre que destile a sua sabedoria com voz de falsete é menosprezado.
188. A gravidade é apenas um factor técnico. Inspira mais confiança.
189. É precisamente por isso que desconfiamos da gravidade. Não devemos desdenhar as coisas ligeiras, ruidosas, agitadas, alegres e inconstantes.
190. Agindo com precisão e calma o mestre encanta o mundo e arrasta uma elite de discipulos. Esperemos que não os empurre para o abismo.
191. Agindo com ligeireza ele diverte-se. A sua subjectividade descontrola-se e torna-se mais autêntica. Ele gosta de ir para sitios isolados exprimir-se como um macho na época do cio, dansando frenéticamente, cantando desafinadamente junto a ravinas.
192. O mestre controla quando quer e descontrala-se quando quer. O silêncio mistificador e a alegria dos gritos pânicos são duas faces da mesma moeda.
193. O sábio gosta de viajar. Ele não viaja por curiosidade mas para manifestar um natural desapego por cada lugar ou um ambicioso apego a todos os lugares.
194. O sábio tem alergia à contabilidade e à sua lógica. Se te aparecer um «sábio» que fale em percentagens e seja um bom gestor, considera-te logo uma excelente vítima do seu negócio.
195. Um viajante não é ninguém em fuga. Já não foge para se encontrar. Apenas viaja para permanecer em si. É como um propagandista da sua vacuídade. No anonimato sente as cidades. Se alguém vier ter com ele tanto melhor. É como os vaqueiros solitários e nómadas dos westerns.
196. Não sabemos se o sábio tem bom ou mau fundo. Por vezes a melhor ajuda é feita de pequenos actos de crueldade. Outras vezes mergulha numa compaixão ilimitada. Noutros casos vêmo-lo mergulhado na indiferença, não só para com os outros, mas para consigo.
197. Aceitar tudo e não rejeitar nada? Rejeitar tudo e não aceitar nada? Ser indiferente a tudo e a nada? Acolher os males como o supremo bem? Acolher o bom como o germen do mal?
198. «Deus está no bom detalhe», escreveu Flaubert. O detalhe só existe pela experiência da atenção. O Tau-Tau é a experiência dos detalhes. Quanto a Deus e ao resto...
199. Há uma altura em que os detalhes se confundem com a ausência de detalhes.
200. O mestre obtém o que quer graças à sua vulnerabilidade e humor. É inconsistente. A sua memória não o ajuda. Os ritos provocam-lhe nauseas. Respira devagar como se lhe faltasse força.
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